Resistir. Essa foi a palavra que não saiu da cabeça do Professor Luís Carlos, o Mestre Lula, desde que começou a pandemia do coronavírus no Brasil. “Passamos o ano de 2020 resistindo, foram dias difíceis, como foi pra todos de uma forma geral. Tínhamos uma sede no bairro Benfica, em Fortaleza, e por conta das dificuldades financeiras tivemos que entregar a casa. Não tínhamos nem um ano de reforma no espaço, mas ficou insustentável nossa permanência. Hoje estamos numa casa na Granja Lisboa, localizada no Grande Bom Jardim”, desabafa Mestre Lula.
Ele comanda a Associação Zumbi Capoeira desde que a fundou no início da década de 1980. O propósito de ensinar a capoeira começou na comunidade do Cristo Redentor e no Pirambu, na capital cearense e, com a grande adesão dessas comunidades, naturalmente veio o desejo e a decisão de fundar a associação para assim se estruturar melhor e poder atender mais pessoas.
Desde então o mestre luta pelo projeto e não abaixa a cabeça para os problemas. “A mudança nos deu um novo fôlego, nos reinventamos e fomos pra dentro da comunidade, hoje atendemos três turmas, temos uma parceria com o CCBJ – Centro Cultural Bom Jardim e outra parceria com um projeto do Governo do Estado. E Iniciamos um trabalho com as mães das crianças atendidas naquela comunidade”, conta Lula.
O projeto atualmente leva o nome de Centro Cultural Mestre Lula. “Aqui é um local de formação, práticas e vivências na Capoeira e em outras manifestações culturais. Tem ação no cunho esportivo que é desenvolvida por nós com ensinamentos teóricos e práticos, além de trabalhos terapêuticos, uma biblioteca comunitária, sala de formação em mídias e confecção de instrumentos”, nos conta o mestre Lula.
Uma das lideranças nesse trabalho e que ajuda muito a AZC é a Mestre Carla. “Ela é uma mulher com papel fundamental na vida de várias pessoas envolvidas direta e indiretamente na arte da Capoeira em Fortaleza. Por diversas vezes a Mestre Carla fez intervenções, deu conselhos e direcionamentos na minha vida e sou reconhecidamente um homem com responsabilidade”, revela o professor Robério dos Reis Braga.
Ele participa das rodas de capoeira da Associação Zumbi desde 2007, quando começou como aluno. Nove anos depois Robério virou professor. “Fui formado professor sob a tutela da Mestre Carla e hoje auxilio os Mestres nas aulas de capoeira para novos alunos, multiplicando os ensinamentos que tive desde criança”, explica Robério.
No total são 200 jovens atendidos em oito comunidades em Fortaleza: Granja Lisboa, onde fica a sede do Centro Cultural Mestre Lula, Canidezinho – Associação UMBC, Pirambu – Centro de Cidadania, Jerusalém – 3K Eventos, Praça do Jerusalém, Conjunto Esperança, Parque Santa Rosa e Messejana-Cidade dos Funcionários. Cada sede tem sua rotina com dias e horários pré-definidos.
Na sede principal, na Granja Lisboa, as aulas de Capoeira são ministradas toda segunda e quarta-feira a partir das seis horas da noite. Entre tantos alunos, alguns se destacam e se transformam em instrutores e mestres, como foi o caso do Ricardo Nascimento. “Eu me aproximei do Mestre Lula e vi um trabalho social importante em comunidades carentes. Participo da AZ Capoeira nas aulas, projetos e ideias para ajudar o trabalho que é bem feito”, conta Ricardo que também virou mestre na Associação.
Esse trebalho vive de doações e conta com a colaboração também de alguns alunos ou alunas, maiores de dezoito anos, que trabalham e podem contribuir pagando uma mensalidade de R$ 70,00 para ajudar a custear as despeças do Centro Cultural Mestre Lula. O restante dos alunos recebe ajuda do projeto, que arrecada dinheiro para custear o uniforme destas crianças, jovens, adolecentes e também adultos. “E todos eles têm acesso ao Centro Cultural Mestre Lula, usufruem da biblioteca, sala das mídias, salão de treino, sala dos instrumentos, paticipam das formações continuadas e momentos formativos promovidos pela AZC, como oficina de Jongo, Coco, entre outras manifestações populares”, explica Lula.
A capoeira é uma mistura de elementos e sentimentos que envolve amor, luta, esporte, dança, arte e música. Assim, ela é uma das representações culturais brasileiras mais conhecidas e importantes em todos os tempos. Um esporte que carrega história e muita relevância para quem pratica, sente e ensina. A capoeira também é um estado de espírito que tem um grande poder de mudar pessoas através de disciplina, força e espírito de grupo.
Anos atrás foi criado um coletivo de mulheres na AZ Capoeira que passaram a realizar eventos como o Congresso Mulheres Capoeiristas, para dialogar sobre a dificuldade da mulher na capoeira e na sociedade, empoderando e incentivando a presença feminina na capoeira. “É um espaço muito masculinizado ainda e essa mulheres discutem vários níveis de relação com a sua comunidade”, diz o mestre Ricardo.
Como deixam claras as outras ideias da Associação de criar um projeto para trabalhar com crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o coletivo Divercidade AZC – LGBTQ+ e os projetos em que todos recebem Reik e terapias em grupo.
A pedagoga Jéssica Liam participa desses grupos e faz planos para um futuro próximo: “Estou com um projeto para as crianças, mas só será realizado pós-vacina. Desejo contribuir na educação das nossas crianças”, resume Jéssica. Ela que conheceu o trabalho da AZ Capoeira aos 11 anos de idade, quando morava no Bairro Vila Velha IV, em Fortaleza.
Depois de alguns anos ela perdeu contato com os Mestres. “Cresci, entrei pra faculdade, fui morar fora de casa e não esquecia a capoeira. Até que em 2013 encontrei os mestres no Facebook, fiz contato e voltei. Vejo a importância do trabalho da AZC, do Mestre Lula e da Mestra Carla, principalmente, na formação humana! É saber que além de formar bons atletas, com técnica e fundamento, aprendemos a ser gente que se importa, gente que se coloca, que não deixa o outro na mão, que escuta e respeita desdo pequeno até o mais velho”, se declara Jéssica.
Cada um dos participantes da associação enxerga a capoeira como um novo horizonte, uma oportunidade de abrir caminhos diferentes daqueles existentes no dia a dia da periferia, seja através das atividades oferecidas na AZC e Centro Cultural Mestre Lula ou da relação de união e acolhimento entre mestres, professores e alunos. A capoeira também é transformação.
“Estamos nos Aquilombando, nos conectando e mantendo a resistência dos nossos ancestrais”, garante Mestre Lula, que termina agradecendo a nossa reportagem pela entrevista e deixando essa frase: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas, sonho que se sonha junto é realidade”.
Abaixo você confere o um VÍDEO gravado em 2017 sobre a Associação Zumbi Capoeira.
Centro Cultural Mestre Lula – Arte e causas sociais
Informações:
Mestre Lula: (85) 98821.1477 ou [email protected]
Endereço: Rua Descarte Braga 2860 - Granja Lisboa, Fortaleza
Instagram: @azc.capoeira
Para Doações: